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O valor escondido na pressão ocular

Categoria: Exames e Diagnóstico

Glaucoma é reconhecido como uma das principais causas de cegueira irreversível no mundo, afetando milhões de indivíduos com um impacto profundo na qualidade de vida. A natureza insidiosa da doença, frequentemente evoluindo sem sintomas perceptíveis nas fases iniciais, reforça a extrema importância da necessidade da detecção precoce com o intuito de prevenir a progressão da perda visual.

Nesse contexto, uma pergunta que frequentemente emerge na prática clínica e entre os pacientes é: "Em que ponto a pressão intraocular é preocupante?" ou ainda "Quanto é a pressão normal?". A pergunta não só destaca a preocupação comum sobre os níveis considerados 'normais' e 'anormais' de pressão intraocular, mas também serve como um ponto de partida para uma discussão mais ampla e aprofundada sobre os métodos diagnósticos do glaucoma.

O foco tradicional na pressão intraocular como o fator chave para o diagnóstico e manejo do glaucoma é compreensível, mas insuficiente para abarcar a complexidade da doença.

Portanto, este artigo tem como objetivo discutir detalhes técnicos que ressaltam como a pressão intraocular, apesar de ser um parâmetro valioso para a triagem inicial, deve ser complementada por avaliações detalhadas que incluem a análise do disco óptico, tomografia de coerência óptica, e exames de campo visual, entre outros.

Meu nome é Elaine Watanabe, sou especialista em Glaucoma e Neuroftalmologia pela Universidade Federal de São Paulo e, ao longo deste texto, você vai entender que o diagnóstico e o manejo eficaz do glaucoma demandam uma abordagem MUITO mais abrangente e cuidadosa do que a simples medição da pressão intraocular.

Fundamentos da Pressão Intraocular

A pressão intraocular (PIO) é a pressão exercida pelo humor aquoso, o fluido claro dentro do olho, contra as estruturas oculares internas. Esta pressão é crucial para manter não somente a forma do globo ocular, mas também para o funcionamento adequado da visão. Consensos de estudos antigos, consideraram as medidas de pressão como uma distribuição normal gaussiana e com limite superior da normalidade o valor aproximado de 21 mmHg (2 desvios-padrão acima da média).

Considerando isso, existem neuropatias que estão associadas à Pressão Intraocular, com consequências sérias, como o glaucoma, uma neuropatia na qual o dano ao nervo óptico resulta em perda visual progressiva e irreversível.

Como a medida da pressão ocular é realizada

A medição da pressão intraocular é frequentemente realizada através de tonometria. Em muitos lugares a pressão é medida através do sopro como forma de rastreio, no entanto, a tonometria de aplanação de Goldman o método padrão-ouro para a medida.

Este procedimento envolve o uso de um tonômetro de contato que aplana uma pequena área da córnea (sob anestesia tópica) para medir a resistência ao achatamento, proporcionando uma estimativa direta da pressão interna do olho.

Os outros métodos, como a tonometria de não contato (sopro), usa um jato de ar para aplanar a córnea, mas alguns estudos descrevem confiabilidade questionada deste método, algumas vezes por tender a superestimar a medida.

Limitações da utilizar apenas a Pressão Intraocular como parâmetro

Apesar de sua importância no diagnóstico e monitoramento do glaucoma, a pressão intraocular por si só não é um indicador infalível da doença. O glaucoma de pressão normal ou glaucoma normotenso ou, ainda, glaucoma de baixa pressão, serve como um exemplo claro desta limitação. Nesta apresentação de glaucoma, os indivíduos apresentam danos típicos ao nervo óptico e perda de campo visual associada ao glaucoma, mas sem pressões intraoculares elevadas. Isso destaca a necessidade de uma avaliação diagnóstica mais abrangente, que considere outros fatores de risco e características patológicas, não se restringindo apenas à medição da PIO. O NTG ilustra como a patologia ocular pode progredir mesmo na presença de uma PIO que se encontra dentro dos limites considerados normais, sublinhando o valor de uma abordagem diagnóstica mais ampla e integrada.

Exame Oftalmológico Completo

O diagnóstico do glaucoma vai além da simples mensuração da pressão intraocular, exigindo uma avaliação oftalmológica abrangente e minuciosa. Aspectos críticos como a análise do disco óptico, a realização de exames de campo visual e a avaliação da camada de fibras nervosas da retina são fundamentais para uma identificação precisa e precoce da doença.

Análise do Disco Óptico

A análise do disco óptico é um componente vital do exame oftalmológico. Alterações patológicas no disco, como o aumento da escavação ou a palidez do disco óptico, podem indicar danos glaucomatosos mesmo sem uma possível elevação na pressão intraocular. Este exame permite ao oftalmologista detectar sinais sugestivos de glaucoma, possibilitando intervenções que podem retardar significativamente a progressão da doença. A observação detalhada do disco óptico, realizada através de oftalmoscopia direta ou indireta, é essencial para avaliar a integridade do nervo óptico e identificar riscos de glaucoma.

Campo Visual

O exame de campo visual é outro pilar fundamental no diagnóstico do glaucoma, sendo essencial para a avaliação da função visual e a identificação de perdas funcionais. Este teste mede a capacidade de visão periférica, frequentemente afetada nas fases iniciais do glaucoma. A perda gradual da visão periférica pode passar despercebida pelo paciente até que seja significativa, por isso, a realização regular desse exame é crucial para detectar e avaliar a extensão do dano glaucomatoso.

Camada de Fibras Nervosas da Retina

A tomografia de coerência óptica (OCT) é uma tecnologia inovadora que desempenha um papel crucial na detecção precoce de perdas de fibras nervosas associadas ao glaucoma. A OCT proporciona imagens detalhadas da camada de fibras nervosas da retina, permitindo uma quantificação precisa da espessura retiniana. Esta técnica é particularmente valiosa para o diagnóstico precoce e monitoramento do glaucoma, oferecendo uma visão clara sobre a progressão da perda neuronal antes que mudanças visíveis ocorram no campo visual do paciente.

Fatores Complementares no Diagnóstico do Glaucoma

Lembrando que o glaucoma pode se apresentar como diversos 'tipos', diversas formas podem estar associadas a esta neuropatia. Além da pressão intraocular, esses fatores desempenham papéis significativos no desenvolvimento e progressão da doença. A compreensão desses fatores é crucial para um diagnóstico abrangente e uma gestão eficaz da doença.

Fatores Vasculares e Sistêmicos

A saúde vascular é um aspecto fundamental no contexto do glaucoma, especialmente em casos de glaucoma de pressão normal, onde a pressão intraocular não está elevada. Estudos indicam que a desregulação vascular e a hipotensão noturna podem comprometer o fluxo sanguíneo para o nervo óptico, aumentando o risco de dano glaucomatoso. A desregulação pode resultar em flutuações na perfusão do nervo óptico, que quando inadequadas, podem levar à isquemia e subsequente dano ao tecido nervoso. Essa perspectiva destaca a importância de avaliar não só a pressão intraocular, mas também a saúde vascular dos pacientes, especialmente aqueles com fatores de risco sistêmicos como hipotensão ou doenças cardiovasculares.

Genética e Histórico Familiar

O componente genético no glaucoma não pode ser subestimado. A predisposição genética desempenha um papel crucial, particularmente em tipos específicos de glaucoma, como o glaucoma de ângulo aberto e o glaucoma de tensão normal. Indivíduos com histórico familiar de glaucoma têm um risco significativamente maior de desenvolver a doença, o que sugere que a avaliação genética pode ser uma ferramenta valiosa no diagnóstico e na gestão preventiva do glaucoma. A compreensão dos antecedentes familiares de um paciente, juntamente com exames genéticos, quando apropriado, pode orientar intervenções mais personalizadas e oportunas, potencialmente salvaguardando a função visual.

Pesquisas e Estudos

A compreensão atual sobre o glaucoma e seu tratamento deve muito aos avanços alcançados através de pesquisas meticulosas e estudos de caso detalhados. Esses estudos não só aprimoraram nosso entendimento sobre a variedade das manifestações do glaucoma, mas também impulsionaram o desenvolvimento de tratamentos inovadores.

Um dos marcos na pesquisa sobre o glaucoma é o Estudo Colaborativo do Glaucoma de Pressão Normal (Collaborative Normal Tension Glaucoma Study). Este estudo foi fundamental para alterar a percepção do glaucoma como uma condição estritamente relacionada à alta pressão intraocular. Os resultados demonstraram que mesmo a redução da pressão intraocular em pacientes com pressão dentro da normalidade pode desacelerar significativamente a progressão da doença. Esse estudo destacou a complexidade do glaucoma de pressão normal e a necessidade de abordagens terapêuticas que vão além do controle da pressão intraocular.

Inovações no Tratamento

As inovações no tratamento do glaucoma têm sido notavelmente influenciadas por descobertas em pesquisa. Pesquisas emergentes, como as terapias neuroprotetoras, estão sendo desenvolvidas para proteger diretamente o nervo óptico de danos futuros, independentemente dos níveis de pressão intraocular. A pesquisa dessas terapias visam mitigar o impacto de fatores neurodegenerativos e melhorar a sobrevivência das células do nervo óptico.

Além disso, pesquisas ampliando a estratégia fornecida ao tratamento, através de abordagens através de lasers, microdispositivos e outras formas de liberação medicamentosa são fomentadas e muitos frutos dessas pesquisas já são utilizados em diversos casos do mundo.

No entanto, como muitas das coisas que infelizmente acontecem, grande parte do ônus relacionado à cegueira causada pelo glaucoma tem relação com o acesso à saúde e ao diagnóstico precoce. O acompanhamento médico oftalmológico, com um exame completo, não somente a pressão ocular, é fundamental para a detecção precoce e o tratamento eficaz contra esta importante causa de cegueira.

Palavras finais

Ao longo deste longo porém necessário artigo, exploramos a complexidade do diagnóstico de glaucoma, destacando que, embora a pressão intraocular seja um indicador importante, ela não deve ser o único parâmetro a ser considerado.

Para os profissionais da saúde, fica o encorajamento para realizar avaliações oftalmológicas abrangentes, que transcendam a - já pouco oferecida - medição da pressão intraocular e incluam uma análise detalhada do contexto clínico e dos riscos individuais de cada paciente.

Para os pacientes, ressalta-se a importância de buscar exames regulares com médicos oftalmologistas qualificados, especialmente aqueles que possuem fatores de risco para glaucoma, como histórico familiar ou condições vasculares pré-existentes.

E lembre-se, não ter o diagnóstico de glaucoma hoje não impede que você desenvolva ou seja diagnosticado com esta doença no futuro. Portanto, previna-se!

Referências

  • Anderson, Douglas R. "Collaborative normal tension glaucoma study." Current opinion in ophthalmology 14.2 (2003): 86-90.
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  • Tham, Yih-Chung, et al. "Global prevalence of glaucoma and projections of glaucoma burden through 2040: a systematic review and meta-analysis." Ophthalmology 121.11 (2014): 2081-2090.
  • de Oftalmologia, Conselho Brasileiro. "As condições de saúde ocular no Brasil." Ottaianco JA, Ávila MP, Umbilino CC, Taleb AC, autores. São Paulo: CBO (2019).
Resumo
  1. Pressão Intraocular Insuficiente: A pressão intraocular sozinha não basta para diagnóstico de glaucoma; exames completos do disco óptico, campo visual e camada de fibras nervosas são essenciais.
  2. Exames Abrangentes Necessários: Médicos devem realizar avaliações completas e pacientes com risco devem fazer exames regulares para detecção precoce de glaucoma.
  3. Avanços em Tratamento: Pesquisas estão liderando a novos tratamentos, como terapias neuroprotetoras e estratégias cirúrgicas menos invasivas, oferecem abordagens possívelmente mais efetivas contra o glaucoma.
  4. Impacto dos Estudos: Pesquisas significativas, como o Estudo Colaborativo do Glaucoma de Tensão Normal, mostram que a redução da pressão intraocular pode ajudar até pacientes com pressão normal.
  5. Prevenção é Essencial: A detecção precoce é fundamental para prevenir a perda visual por glaucoma, destacando a importância de exames regulares mesmo sem sintomas.
Por:
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Dra. Elaine R. S. Watanabe
Médica Oftalmologista | Especialista em Glaucoma e Neuroftalmologia
CRM-SP 176.630 | RQE 87.590
draelaine@drbemtevi.com.br
Os artigos deste blog são revisados por um médico oftalmologista credenciado e certificado pelo CREMESP e CBO. Este artigo não substitui o aconselhamento médico profissional. Se você ou alguém que conhece está enfrentando problemas de visão ou sintomas relacionados ao tema tratado, é crucial buscar a orientação de um especialista qualificado.
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