Queimadura Química Ocular: Cuidados e Tratamento
Categoria: Condições e Doenças
Uma queimadura química ocular é uma condição médica grave, causada pelo contato dos olhos com substâncias químicas irritantes ou corrosivas, podendo resultar em danos substanciais aos tecidos oculares, como a córnea e a conjuntiva. Esta condição é considerada uma emergência oftalmológica, exigindo tratamento imediato e especializado para evitar complicações a longo prazo, incluindo a perda permanente da visão.
Causas e Riscos
Queimaduras químicas nos olhos podem ser causadas por uma variedade de substâncias, incluindo ácidos, álcalis, solventes industriais e produtos de limpeza doméstica. Um produto que ganhou destaque recente, causador de queimaduras químicas, foram as pomadas para cabelos.
A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) chegou a proibir a venda de todas as pomadas para cabelo. No entanto, em dezembro de 2023, restringiu quais estariam com registro cancelado no sistema SGAS (Sistema de Automação de Registro de Produtos de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes – SGAS) de acordo com critérios, como presença na fórmula 20% ou mais de álcoois etoxilados, incluindo Ceteareth-20 (CAS nº 68439-49-6).
As lesões das queimaduras químicas resultantes variam em gravidade, dependendo da substância envolvida e da duração do contato. Acidentes domésticos, industriais ou laboratoriais são as causas mais comuns dessas lesões, com crianças e trabalhadores industriais entre os grupos mais afetados.
Sintomas e Diagnóstico
Os sintomas incluem dor intensa, vermelhidão, sensação de corpo estranho no olho, lacrimejamento, visão embaçada e sensibilidade à luz. O diagnóstico é feito com base no histórico do paciente e na avaliação física, que deve incluir a medição do pH ocular e a avaliação do grau de dano corneano e conjuntival.
Para o exame físico, é fundamental checar o pH de ambos os olhos (ou inferir, de acordo com a anamnese) antes de prosseguir com o exame oftalmológico completo. Se o pH não estiver na faixa fisiológica, o olho deve ser irrigado intensamente para trazer o pH para uma faixa apropriada (entre 7 e 7,2). A extensão e a profundidade da lesão são avaliadas por meio dessas classificações e pela observação da córnea, conjuntiva e limbo, após coloração com fluoresceína sob luz azul de cobalto. Detritos retidos nos fórnices oculares podem causar danos persistentes, mesmo após a irrigação. A pressão intraocular também deve ser documentada, pois lesões por álcalis podem causar elevação aguda e crônica da PIO.
Classificação das Queimaduras
A classificação de queimaduras oculares é um aspecto crucial para guiar o tratamento e prognosticar a recuperação visual. Existem várias classificações, mas duas das mais utilizadas são as classificações de Dua e Roper-Hall. De acordo com um ensaio clínico (Gupta, N., 2011), a classificação de Dua mostrou-se superior à de Roper-Hall, mas ambas são utilizadas na prática.
Classificação de Roper-Hall para Queimaduras da Superfície Ocular
Grau | Prognóstico | Córnea | Conjuntiva/Limbo |
---|---|---|---|
I | Bom | Dano epitelial corneano | Sem isquemia limbar |
II | Bom | Haze corneano, detalhes íris visíveis | < 1/3 isquemia limbar |
III | Reservado | Córnea opaca, detalhes haze, íris visíveis | 1/3 a 1/2 isquemia limbar |
IV | Ruim | Córnea opaca, detalhes da íris ocultos | > 1/2 isquemia limbar |
Classificação de Dua para Queimaduras da Superfície Ocular
Grau | Prognóstico | Envolvimento Limbar | Envolvimento Conjuntival |
---|---|---|---|
I | Muito bom | Sem envolvimento limbar | 0% |
II | Bom | ≤ 3 horas de relógio | ≤ 30% |
III | Bom a reservado | Entre 3-6 horas de relógio | 30-50% |
IV | Reservado a ruim | Entre 6-9 horas de relógio | 50-75% |
V | Ruim | Entre 9 e 12 horas de relógio | 75-99,9% |
VI | Muito ruim | Total envolvimento limbar (12 horas de relógio) | 100% |
Tratamento - o que fazer em caso de queimadura ocular?
O manejo de queimaduras químicas nos olhos inicia com a irrigação imediata do olho afetado, sendo esta a peça primordial do tratamento. Ações iniciais por testemunhas locais e primeiros socorros são fundamentais e devem ser continuadas por profissionais médicos até que o paciente seja atendido por um oftalmologista. A irrigação precoce é crítica para limitar a duração da exposição química e restaurar o pH fisiológico. Em alguns casos, pode ser necessário irrigar com até 20 litros de solução para alcançar o pH ideal.
Lavar, lavar, lavar, lavar, lavar, lav...
Para realizar a irrigação, o paciente deve estar sentado e inclinado para o lado afetado, com a cabeça apoiada. Se possível, lave as mãos com detergentes neutros antes da lavagem para evitar irritações adicionais. Anestésicos tópicos, podem ser aplicados para aumentar o conforto durante a irrigação, que deve ser realizada com cautela utilizando, preferencialmente, soro fisiológico ou água filtrada na indisponibilidade do mesmo.
Precauções por Testemunhas e Primeiros Socorros
Testemunhas e primeiros socorros devem avaliar a segurança da cena e tomar precauções necessárias para evitar exposição ou contaminação adicional. A irrigação deve começar o mais rápido possível com qualquer líquido não tóxico disponível, como água da torneira, e continuar até que o atendimento especializado assuma a responsabilidade pelo cuidado. A irrigação deve ser realizada por no mínimo 20 minutos, ou até que um pH fisiológico seja alcançado (preferencialmente soro fisiológico ou água filtrada), monitorando com tiras de pH após a irrigação e cuidando para não sobrecarregar e causar edema corneano. Não aplicar gelo diretamente nos olhos, não utilizar água boricada, não manipular ou tentar tirar detritos com as mãos. Procure um oftalmologista!
Cuidados Especializados
No ambiente clínico, pedir auxílio para chamar um serviço de transporte de emergência (192) e procurar imediatamente um médico oftalmologista. O médico avaliará a extensão da lesão e determinará a necessidade de abordagens extras, especialmente em casos mais graves. Os profissionais de emergência médica podem continuar a irrigação durante o transporte (caso o paciente seja descolado de ambulância) e os primeiros socorros devem operar de acordo com o nível de treinamento e certificação, removendo lentes de contato se presente e instilando anestésicos tópicos para facilitar a irrigação.
Tratamento Médico Recomendado
Para queimaduras leves (Grau I), o tratamento médico padrão inclui pomadas antibióticas e colírios anti-inflamatórios, além de lágrimas artificiais sem conservantes. Em queimaduras mais graves (Grau II e acima), além dos tratamentos mencionados, considera-se o uso de ciclopégicos de longa duração, vitamina C oral e tópica e doxiciclina. A terapia com esteróides é intensiva inicialmente, seguida por uma redução gradual (desmame). Outros tratamentos podem ser realizados no intuito de diminuir a atividade proteolítica e promover a reparação do estroma.
Tratamentos Cirúrgicos
Em casos de queimaduras de Grau IV, uma cirurgia precoce é geralmente necessária. Isso pode incluir desde uma tenoplastia à transplantação de membrana amniótica para restaurar a superfície conjuntival e reduzir a inflamação.
Prevenção
A prevenção das queimaduras químicas oculares é crucial e envolve o uso de óculos de proteção / equipamentos de proteção individual (EPI) apropriados ao manusear químicos e a adoção de práticas seguras tanto no ambiente de trabalho quanto doméstico. A educação continuada sobre riscos e medidas de segurança é essencial para minimizar a ocorrência desses acidentes.
De maneira geral, o tratamento adequado e a prevenção de queimaduras químicas oculares são vitais para a preservação da saúde ocular e podem reduzir significativamente o risco de danos permanentes e perda de visão.
Conclusão
As queimaduras químicas oculares representam uma emergência que requer conhecimento, habilidade e rapidez no tratamento para preservar a visão. A conscientização sobre os riscos e as medidas preventivas são essenciais para reduzir a incidência e gravidade dessas lesões. O acompanhamento de longo prazo é necessário para monitorar e tratar complicações como glaucoma e olho seco, assegurando o melhor resultado possível para o paciente.
Referências:
- Wagoner, Michael D. "Chemical injuries of the eye: current concepts in pathophysiology and therapy." Survey of ophthalmology 41.4 (1997): 275-313.
- Gupta, Noopur, Mani Kalaivani, and Radhika Tandon. "Comparison of prognostic value of Roper Hall and Dua classification systems in acute ocular burns." British journal of ophthalmology 95.2 (2011): 194-198.
- Singh, Parul, et al. "Ocular chemical injuries and their management." Oman journal of ophthalmology 6.2 (2013): 83-86.
- Pargament, Jonathan M., Joseph Armenia, and Jeffrey A. Nerad. "Physical and chemical injuries to eyes and eyelids." Clinics in dermatology 33.2 (2015): 234-237.
- Baradaran-Rafii, Alireza, et al. "Current and upcoming therapies for ocular surface chemical injuries." The ocular surface 15.1 (2017): 48-64.
- Fish, Robert, and Richard S. Davidson. "Management of ocular thermal and chemical injuries, including amniotic membrane therapy." Current opinion in ophthalmology 21.4 (2010): 317-321.
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Primeiros Socorros em Caso de Emergência: Em situações de queimadura química ocular, peça ajuda para chamar a emergência (192) e iniciar imediatamente a irrigação do olho afetado com soro fisiológico ou água filtrada por no mínimo 20 minutos.
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O que NÃO Fazer: Não aplicar gelo diretamente nos olhos, não tentar neutralizar uma queimadura alcalina com ácido ou vice-versa, não lavar com água boricada, não tentar manipular ou remover qualquer substância dos olhos com as mãos.
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Procurar um OFTALMOLOGISTA: É crucial chamar os serviços de emergência e buscar um oftalmologista o mais rápido possível após prestar os primeiros socorros. O acompanhamento médico especializado é vital para uma avaliação correta e para definir o tratamento mais adequado.
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Prevenção: Usar equipamentos de proteção individual, como óculos de segurança, é fundamental para prevenir queimaduras químicas oculares, tanto em ambientes de trabalho quanto domésticos. A conscientização sobre os riscos e a educação para práticas seguras são medidas essenciais para evitar acidentes.
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Importância do Tratamento Adequado: O tratamento para queimaduras químicas oculares varia de acordo com a gravidade da lesão, podendo ir de colírios antibióticos, anti-inflamatórios e até procedimentos cirúrgicos em casos mais graves. O tratamento correto é decisivo para a recuperação da saúde ocular e para prevenir complicações a longo prazo.
Médico Oftalmologista | Especialista em Retina e Vítreo
CRM-SP 168.955 | RQE 70.863
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